O discreto ateísmo de Einstein

“A palavra Deus para mim é nada mais que a expressão e produto da fraqueza humana, a Bíblia é uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis.”

Albert Einstein

Uma carta do físico Albert Einstein, que parece ter ficado escondida por mais de 50 anos, pode ter jogado uma pá de cal sobre o debate sem fim a respeito da “religiosidade” do pai da teoria da relatividade. A frase acima foi extraída dela, e permite entender o porquê de tanta decepção por parte dos defensores de um Einstein religioso.

A carta de Einstein, escrita em 1954, um ano antes da sua morte, foi uma resposta dirigida a Erich Gutkind, autor do livro “O chamado bíblico para a revolta”. Talvez tivesse pensado Gutkind que o endosso de um grande cientista reforçaria as teses religiosas da sua obra. Na carta, Einstein não apenas deixa clara sua posição em relação a Deus, como também sua posição como judeu: “Para mim, a religião judaica, como todas as outras, é a encarnação de algumas das superstições mais infantis. E o povo judeu, ao qual tenho o prazer de pertencer e com cuja mentalidade tenho grande afinidade, não tem qualquer diferença de qualidade para mim em relação aos outros povos.”

Segundo o jornal britânico The Guardian, a carta, que era desconhecida por alguns dos principais biógrafos do cientista, foi leiloada por 170.000 libras (mais de R$540 mil) no último dia 15 de maio.

Não é de hoje que a suposta religiosidade de Einstein é motivo de debate. Boa parte da mídia e aqueles que pregam uma visão religiosa sempre deram ênfase a alguns aforismos e frases proferidas em público pelo físico alemão que apontavam nesse sentido, enquanto que posições em sentido contrário, expressas geralmente através de cartas particulares, ficavam escondidas. A frase “Ciência sem religião é manca, religião sem ciência é cega” talvez tenha sido a mais explorada. “Deus não joga dados” é outra. Em relação a esta última, hoje fica claro que fora tirada do contexto. No caso, Einstein se referia, de forma bastante irritada, aos pressupostos da física quântica -de seus colegas Niels Bohr, Max Born e outros- na qual Einstein não acreditava muito (evidências posteriores, entretanto, mostraram que Einstein estava errado).

Mas em várias ocasiões a posição de Einstein tinha ficado clara. Também em 1954, respondendo uma carta que lhe fora enviada por um missivista presumivelmente ateu, perguntando se de fato Einstein era, como a mídia americana afirmava, um homem religioso, este respondeu “Foi, claro, uma mentira o que o Sr. leu sobre minhas convicções religiosas, uma mentira que vem sendo sistematicamente repetida. Eu não acredito em um Deus pessoal e nunca neguei isso, ao contrário, tenho expressado isso claramente. Se há algo em mim que pode ser chamado religioso é a ilimitada admiração pela estrutura do universo até onde nossa ciência pode revelá-la.”

Em outra oportunidade, recusando o convite de um rabino para freqüentar a sinagoga, Einstein responde: “Desde o ponto de vista de um padre jesuíta eu sou, claro, e sempre tenho sido, um ateu. Eu tenho dito repetidamente que a idéia de um Deus pessoal é infantil. Você pode me chamar de agnóstico, mas eu não compartilho o espírito de cruzada (crusading spirit) dos ateus profissionais cujo fervor é principalmente devido a um doloroso ato de liberação dos grilhões da doutrinação religiosa que eles receberam na sua juventude. Eu prefiro uma atitude de humildade correspondente com a fraqueza de nossa compreensão intelectual sobre a natureza e nosso ser.”

Independente se esta carta acabará ou não com a controvérsia, é curioso assistir esta relação de contestação e desejo da religião para com a ciência. Quando a ciência, através de evidências e sem nenhum propósito de atacar alguém, diz que a terra tem milhões de anos e não os oito mil e poucos que a Bíblia indica, a ciência não serve. Quando diz que o universo parece ter sido criado bilhões de anos atrás através de uma grande explosão, a partir da qual surgiu todo o resto, contradizendo assim a versão literal do Gênesis, a ciência está errada. Quando a ciência diz que os humanos e todas as outras espécies são fruto de um lento processo de evolução e não de criação, a ciência está absurdamente enganada. Mas quando um cientista eminente manifesta uma posição pessoal pró-religião, ou quando algum experimento científico parece sustentar, mesmo que indiretamente, alguma revelação bíblica, cientista e descoberta assumem um valor inquestionável. Agora a ciência serve, mas apenas este minúsculo fragmento do pensamento científico!

A fé de quem crê não deveria ser posta em dúvida pela opinião pessoal de outro indivíduo, cientista ou não. A fé não se fundamenta em argumentos racionais, assim, não faz sentido utilizar a racionalidade da ciência para sustentá-la. Se as evidências científicas chegam a abalar nossa fé, é porque ela não era tão forte – e cega – assim.

Ainda bem!

Roelf Cruz Rizzolo é professor de Anatomia Humana da Unesp, câmpus de Araçatuba. Este artigo foi publicado inicialmente na Folha da Região, de Araçatuba.

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