Caro Professor Celso Laffer,
Escrevo para contar minha história e manifestar profunda indignação com tamanho descaso ao pós-graduando Brasileiro.
É com muita tristeza que hoje, dia 5 de junho, vejo que a FAPESP não depositou, como de habitual, minha bolsa de doutorado. Motivo?
“2.4.3 Todo comprovante em tamanho A4 ou maior (ex.: DANFE, cotação de preço, consulta aos cadastros fiscais públicos), deverá ser apresentado na posição “retrato” (vertical), ordenado sequencialmente, de forma individual sem ser colado em outra folha de papel. Os comprovantes nesta situação não deverão ser colados ou grampeados em outra folha nem entre si.”
A interminável maratona da prestação de contas é um desrespeito com os pesquisadores em especial com os pós-graduandos. Temos que perder dias de trabalho para anexar notas uma a uma colando-as em folhas numeradas A4. No entanto, não são todas as folhas que podem ser coladas na tal folha A4, algumas podem outras não. As notas maiores devem ser dobradas, mas não coladas; as páginas devem ser numeradas, e ninguém sabe informar como se numera as notas que não podem ser coladas. Enfim, uma verdadeira gincana do grampeia e cola.
Será que de fato mereço essa punição, por não cumprir essa norma? Seria ela de extrema importância na minha formação como doutor em ciências?
Obrigar uma mão de obra, teoricamente qualificada, desperdiçar seu tempo de trabalho realizando malabarismos burocráticos, não seria um surreal desperdício de dinheiro?
O pior, senhor Presidente, é saber que outros colegas, que mandaram a prestação igual à minha ou sequer identificaram as notas, tiveram suas prestações aprovadas. Ou seja, o processo além de patético é totalmente arbitrário.
Esse sistema parece partir do pressuposto que somos desonestos. Precisamos provar que não usamos o dinheiro indevidamente, quando, na prática, o senhor deve muito bem saber, os pesquisadores brasileiros comumente pagam de seu bolso para trabalhar.
Não é de hoje que conheço as famosas suspensões de pagamento por travamento de conta da FAPESP. Destaco que em nenhum emprego do mundo, no qual pessoas trabalham em condições mínimas de regulamentação, há a suspensão do pagamento aos trabalhadores. Sabe por que senhor presidente? Porque existem vidas por trás do trabalho.
É fato que existe a grande discussão sobre a pós-graduação não ser um emprego, mas sim um período de formação; concordo em partes com essa visão. No entanto, para obter uma bolsa de estudos na pós-graduação você deve ter dedicação exclusiva, ou seja, não pode buscar outras fontes de renda. Isso, automaticamente, não implicaria em compromisso, e de ambas as partes?
Em algum momento a FAPESP cogita a possibilidade de que um pós-graduando, que tem sua bolsa suspensa por tamanha e miserável burocracia, possa ter uma família? Filhos? Pais ou pessoas que dependem dessa fonte de renda?
É natural, e esperado, que com o acesso de pessoas de mais baixa renda às universidades públicas, surja o interesse delas pela pós-graduação e isso é excelente. Entretanto, parece-me, que ainda estamos num sistema de bolsas que privilegia os filhos da aristocracia burguesa, os quais podem dar-se o luxo de fazer pesquisa somente por prazer e não também como fonte de seu sustento.
Grande maioria dos diretores das agências de fomento acaba por se afastar realidade de seus alunos, isso é normal, pois são outras prioridades. Muitos, já são pesquisadores sênior, isto é, realizaram suas pós-graduações em outro tempo o qual não representa a atual realidade. Era um tempo em que fazer ciência no Brasil era muito difícil e muitos erros foram cometidos na gestão politico-científica do país. No entanto, citando genial frase do filósofo Vladimir Safatle “As gerações presentes não devem ser reféns das incapacidades das gerações passadas”. Portanto ouvir os jovens que fazem ciência no dia-a-dia “pondo mão na massa” é essencial para o desenvolvimento da mesma.
É um banho de água fria em um doutorando ficar sem sua bolsa faltando três meses para sua defesa, e que, para pagar seu aluguel suas contas, ects, precisará pedir empréstimo ao banco e criar dívida para superar as mazelas da burocracia.
Sinto-me hoje, dia 5 de junho de 2014, extremamente desrespeitado pela FAPESP, que jamais considerou que sempre me esforcei ao máximo para ser um aluno exemplar ao longo de toda minha pós-graduação. Os que me conhecem sabem que sempre fui um cientista apaixonado pelo que faço. Defensor ferrenho da ciência pública e de qualidade. Sou produtivo, faço colaborações – realizei 4 colaborações internacionais e 2 nacionais em nosso grupo, me envolvo em política científica e estou produzindo um trabalho sólido de 4 anos de pesquisa em meu doutorado.
Chegando ao fim doutorado, é comum estarmos cansados. No entanto, eu, curiosamente, estava até agora renovado. Voltei de um congresso dos EUA (financiado pela FAPESP e isso é louvável) com muitas idéias, novos contatos e logo qualifiquei. Estava animado de novo, escrevendo meus artigos analisando os dados e muito entusiasmado com o desfecho de minha pesquisa.
Tamanha é minha desmotivação, minha tristeza com esse sistema hoje, que escrevo não com intenção de implorar que me paguem, pois isso já foi, passou. Mas sim, para chamar a atenção para esse problema de tamanha gravidade. A suspensão de pagamento a um pós-graduando entristece, desmotiva e castra o desejo de seguir fazendo ciência em nosso país. Quantos pesquisadores brilhantes, amigos meus, tenho visto abandonar a ciência por conta das maratonas burocráticas e da desvalorização do pós-graduando.
E eu, que ânimo tenho agora em escrever minha tese sabendo que tenho uma dívida de 3 mil reais com o banco para pagar? Que vontade tenho de seguir em frente com cientista no Brasil tendo sido tão desrespeitado?
Mas eu resistirei. Hoje, mais do que nunca, tenho certeza que quero me tornar um cientista. Um cientista Brasileiro e que se orgulha de seu país. Eu resistirei ao sistema, senhor presidente, mas não me adequarei. Entrarei nele com mais vontade e sede de mudança.
Por hora, me cabe escrever ao senhor essa carta aberta, para que haja uma profunda reflexão sobre o que significa, humanisticamente falando, a suspensão de verbas por critérios absolutamente ilegítimos. Em especial as bolsas “salário” dos pós-graduandos, pois elas mantêm vidas, as quais não podem ser interrompidas por míseras folhas de papel.
Espero que essa história reverbere outras tantas, que sei que existem, e que a FAPESP, a qual sempre foi vanguarda na política de fomento a ciência acabe com esse retrocesso burocrata e desumano da suspensão de pagamento sem aviso e por questões dessa irrelevância.
Tudo isso, senhor presidente, é para criticar e lembrar que a burocracia é uma invenção, a vida das pessoas é a realidade.
Atenciosamente,
Douglas Engelke
Doutorando do programa de Pós-Graduação em Neurologia/Neurociências UNIFESP e bolsista FAPESP.
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