Esse texto foi originalmente publicado no Blog Prisma Científico.
Por Cesar Coelho*
Antes de mais nada quero dizer que esse post ganhou forma após três fatos. O primeiro foi a leitura do texto “Você que mesmo ser cientista?” da Profª Suzana Herculano-Houzel, da UFRJ. Aqui, tenho a pretensiosa intensão de aumentar essa discussão, abordando outras perspectivas, que tiveram fagulha nos outros dois fatos, uma palestra sobre Economia, Inovação e Empreendedorismo, ministrada pelo Prof. Mariano Francisco Laplane (Presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos Ciência, Tecnologia e Inovação – CGEE) na II Semana do Pós-Graduando da UNIFESP, e outra sobre a relações entre as universidades e a indústria para inovação no Brasil, ministrada pelo Profº Luiz Eugênio de Mello, professor titular do Departamento de Fisiologia da UNIFESP e dirigente do projeto de um novo instituto de pesquisa da Vale do Rio Doce. Se alguma dessas pessoas chegar a ler este texto, desde já que se registre meu agradecimento por colocar em pauta discussões tão necessárias sobre o cenário da ciência, tecnologia e inovação no Brasil.
A Profª Suzana descreveu um quadro muito (triste) realista em que a carreira acadêmica se encontra no Brasil. Me baseando nisso, questionei o perfil (impacto) da ciência que o Brasil tem produzido nos últimos anos. Com esse cenário profissional, o que temos produzido cientificamente?
O cenário produtivo: Ciência e Inovação
Apesar da complicada situação da carreira científica, segundo o último UNESCO Science Report, em 2010, o Brasil é o país com a 13ª maior produção científica do mundo. Além disso, a maioria dos relatórios das fundações de amparo à pesquisa e outros órgãos financiadores de pesquisa apontam um crescente aumento no número de concessões de bolsas de pós-graduação e de outros tipos de fomentos (i.e. auxílios pesquisa). E não é só isso, o volume de pesquisadores/cientistas que o Brasil forma por ano aumentou muito. Pode-se ver isso facilmente no aplicativo do GeoCapes. Em outras palavras, o Brasil tem investido mais na formação de cientistas (por mais desanimadoras que sejam as condições da carreira) e em projetos científicos e isso tem resultado em mais publicações nas revistas científicas. Sem dúvida nenhuma, isso é muito bom. O Brasil alcançou um patamar de produção científica jamais visto em sua história.
Contudo, uma perspectiva muito presente no cenário científico mundial e que o Brasil ainda está muito incipiente e poucas pessoas tentam chamar a atenção para isso é: o que temos feito com o conhecimento que produzimos? Ele está gerando resultados práticos na sociedade?
Eu entendo que a produção do conhecimento e o entendimento dos fenômenos naturais é muito importante por si só (é o que chamamos de pesquisa básica), mas a relevância (e investimento) que temos dado a essa produção é muito maior do que a de aplicar esses conhecimentos (pesquisa aplicada) ou gerar conhecimentos rapidamente aplicáveis e rentáveis (inovação). Já diz o velho ditado “conhecimento é poder”, mas só o é se soubermos e pudermos usá-lo a nosso favor. Também é necessário pensar que uma grande parcela do dinheiro público é gasta em pesquisa científica. E, assim como em qualquer outro investimento, espera-se que uma hora ele dê algum retorno, melhorando a vida da população seja na área da saúde, tecnologia, financeira ou qualquer outra.
E nesse sentido, o Global Competitivenes Report 2011-2012 do Fórum Econômico Mundial (WEF) apontou o Brasil como apenas o 44º país no ranking de inovação (de 142 países), item importante que ajudou a colocá-lo no 53º lugar em competitividade global entre os mesmos países. Em um outro ranking, World Competitiveveness Yearbook, da IMD Foundation Board, o Brasil ocupa o 46º lugar, e têm perdido posições nos últimos 3 anos.
Mas o que esses números nos dizem? Que o Brasil, apesar de ter uma boa produção científica, possui um déficit de retorno dessa produção à sociedade em forma de inovação, tecnologia, enfim, em forma de transformação da sociedade.
As causas
Não levem os pesquisadores brasileiros a mal, pois a culpa em nada (ou quase nada) é deles. Com o que lhes tem sido oferecido em termos de financiamento e mercado de trabalho, estão fazendo muito. Mas então, quais ou onde estão as causas dessa disparidade? Por que o conhecimento que produzimos não retorna em aplicação? Abaixo listarei alguns fatos que contribuem para esse quadro.
– Quando se pensa em pesquisa aplicada (no elo entre a produção e a aplicação do conhecimento), qual o primeiro setor da sociedade que vem à mente? A indústria. A indústria é (ou deveria ser) o setor mais interessado em ciência aplicada, em inovação. E é assim no mundo inteiro. Na maioria dos países de grande capacidade inovadora, a maior parte dos pesquisadores trabalham nas empresas, e apenas uma pequena parte nas universidades. No Brasil, é raríssimo falar em pesquisadores na indústria. Segundo Glauco Arbix, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), em uma audiência na CCT em maio, nos EUA 79% dos pesquisadores estão nas empresas e 14,8% nas universidades, enquanto no Brasil, 57% deles estão nas universidades e 37% nas empresas.
– Esse número de pesquisadores brasileiros em empresas pode parecer até alto para quem é acadêmico, pois é algo raro de se ver. Contudo, entre as empresas que realmente fazem pesquisa em inovação, estão, basicamente, as estatais e ex-estatais como Petrobrás, Vale do Rio Doce, Embraer e Eletrobrás. Tirando essas empresas, pesquisa em inovação é praticamente inexistente na indústria brasileira.
– As empresas privadas que estão no Brasil não fomentam pesquisa em inovação, não geram patentes para o Brasil. De um modo geral, elas preferem importar a tecnologia produzida no exterior do que investir em inovação no país. Se são multinacionais, trazem a tecnologia da matriz, se são nacionais, compram-na de outras empresas.
– No Brasil, o setor industrial investe praticamente a mesma quantia que o governo em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D). Em praticamente todos os outros países desenvolvidos e emergentes, o investimento em P&D do setor industrial é muito maior do que o investimento governamental. Podemos ver isso nos gráficos abaixo, os países de maior desenvolvimento nos últimos anos foram alavancados pelo investimento do setor industrial em P&D.
Nas palavras do Profº Mariano Laplane, “…parece que as empresas brasileiras têm medo de investir em P&D e perder dinheiro por falta de resultado, por isso compram a tecnologia de outras…”.
Mas não é apenas a falta de investimento privado em P&D que dificulta a inovação. Se por um lado o governo e as estatais são os maiores investidores em ciência, tecnologia e inovação no Brasil (e grita pela ajuda do setor privado), por outro, ele engessa quem pode ajudá-lo a alavancar a situação: as universidades, impedindo-as de se ligar às empresas para pesquisa em inovação.
– A dedicação exclusiva exigida dos professores universitários é um exemplo. Ela impede os professores/pesquisadores de firmar parcerias ou participar de projetos de inovação fora dos muros da universidade. Também os impede de abrir empresas, por exemplo. Nos EUA, professores podem montar empresas em seus departamentos sem violar a legislação. No Brasil, ter qualquer outra posição além da posição acadêmica não é permitido.
– A falta de autonomia das universidades para firmar parcerias com empresas também é um grande entrave para a inovação. Nos EUA, uma empresa e um laboratório podem firmar parcerias sem qualquer controle governamental (salvo as formalidades do acordo) sobre que tipo de acordo as empresas podem ou não fazer com as universidades. No Brasil, autonomia universitária ainda é um sonho!
– As altas taxas, falta de fornecimento de infraestrutura, regulações restritivas de trabalho e burocracia governamental estão entre os fatores que dificultam os negócios das empresas. De certo modo, diminuem o ímpeto das mesmas em investir em novas tecnologias, fazendo-as preferir investimentos menos arriscados.
O cenário que se constrói é complexo, de um lado as empresas não arriscam investir em inovação, preferindo ficar na margem de lucro que a compra de tecnologias lhe permite, e de outro, o governo investe o que pode em ciência e tecnologia, chora para as empresas fazerem o mesmo, mas não quer abrir mão do controle e das rédeas curtas a que as universidades (com toda a liberdade que os intelectuais podem trazer) são submetidas.
Consequências
O resultado é um ciclo que não vemos fechar em todo seu potencial e acaba por espirrar suas consequências em vários setores. Investimos dinheiro público em ciência, mas nem tanto em aplicá-la, em transformar a sociedade, em devolver ao povo o que ele investiu. E este, não vendo a ciência (brasileira) transformar a sociedade, não tem consciência do poder daquela e das pessoas que a fazem. Isso ajuda a aumentar ainda mais os muros entre a universidade e a sociedade e a faz perder voz, por exemplo, quando tenta se manifestar ou entrar em greve. Por não dar ao povo o que é do povo, não recebe muito apoio da opinião publica.
O pesquisador se vê com um mercado diminuído, limitado, basicamente, às universidades e, com muita sorte, alguma indústria ou cargo público. E em almejando ir para a universidade, se vê submetido às condições descritas pela Profª Suzana Herculano-Houzel.
Felizmente, as pessoas com poder e voz estão se movimentando para tentar, mesmo que aos poucos, quebrar as barreiras entre universidades e empresas e chacoalhar o governo para, de fato, tomar providências menos burocráticas e controladoras e mais flexíveis para alavancar a inovação no Brasil. Há uma proposta de um Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) em trâmite na Câmara dos Deputados (PL 2177/2011) e no Senado Federal (PLS 619/2011) que almeja agilizar os processos envolvidos com CT&I. Além disso, no dia 9 de novembro, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), apoiada pelas Sociedades afiliadas, enviou uma carta ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, pedindo alterações dessa mesma proposta (confira a íntegra dessa carta no Blog da SBNEC). Há, também, um manifesto da Academia Brasileira de Ciências (ABC) junto à SBPC, encaminhado no dia 20 de novembro, propondo mudanças no novo projeto de lei que redefine a carreira de docentes nas universidades (aquele projeto da greve!), e entre as propostas está a previsão de parcerias entre docentes e empresas ou outros centros de pesquisa em projetos de CT&I (manifesto na íntegra).
Esse texto foi uma tentativa de ilustrar melhor o cenário científico e tecnológico brasileiro. E não tem, de forma alguma, todas as perspectivas. Portanto, se alguém quiser/puder contribuir com uma perspectiva diferente que não foi incluída aqui, eu adoraria aumentar essa discussão e torná-la (se permitido) público aqui.
* Biólogo, Mestre em Psicobiologia, aluno de doutorado no Departamento de Psicobiologia da UNIFESP e divulgador científico.
Sugestões de Leitura
– Coluna “Em Discussão” do jornal do sendo, tema inovação. (Leiam todas as mini-matérias)
– Plano de Lei 4368/2012, sobre redefinição da carreira docente.
– Carlos Henrique de Brito Cruz. Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil: desafios para o período 2011 a 2015. Artigo publicado em Interesse Nacional, Junho 2010
– Geração de conhecimento nas empresas é essencial para inovação – Site inovação tecnológica
Um Comentário
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