Uma luz no fim do túnel da depressão

Cientistas descobrem um efeito direto da luz sobre o humor e a memória

Por Sergio Arthuro *

Em um artigo recém publicado na revista Nature, a equipe do cronobiologista Samer Hattar (nascido na Jordânia e hoje no instituto John Hopkins, Boston – EUA) observou que animais submetidos a um ciclo claro-escuro aberrante apresentam prejuízo de memória e comportamento semelhante a depressão, o que sugere um efeito direto da luz na cognição e no humor.

A cronobiologia, etimologicamente falando, é o estudo da influência do tempo (representado pelo deus Cronos da mitologia grega) nos seres vivos (daí as palavras cronômetro e sincronia, por exemplo). A definição de tempo (em termos filosóficos) é controversa, mas acredito que seja o nome que damos ao fato que tudo muda, inclusive nós mesmos. No caso da cronobiologia, o tempo se refere as modificações recorrentes (ritmos) presentes no funcionamento dos organismos. É interessante pensar que a vida que conhecemos surgiu num planeta que gira em torno do próprio eixo, e em torno de uma estrela luminosa. O movimento de rotação da Terra ocorre num período próximo de 24 horas (daí os ritmos circadianos, onde circa = cerca, dianos = um dia). Essa repetição ocorre (dependendo da inclinação da Terra em relação ao Sol) com 12 horas de claro (manhã e tarde, quando a maioria está acordada) e 12 horas de escuro (noite e madrugada, quando se dorme normalmente).

Sabe-se que o ciclo solar diário permite que os seres sincronizem seus ritmos circadianos e ciclos de sono-vigília numa ordem temporal correta. Mudanças na duração do fotoperíodo (a duração da fase clara) causam alterações de humor e funções cognitivas, como ocorre: a) na depressão sazonal – durante o inverno em alguns países afastados do equador (que tem o dia mais curto), b) no jet-lag, típico de viagens transmeridianas entre países de fusos horários muito diferentes, e c) no trabalho em turno (como o esquema de plantões noturnos). A privação de sono e a perturbação dos ritmos circadianos são responsáveis por esses distúrbios de humor e cognição associados com períodos irregulares de luz. Se essas alterações no tempo de luz afetariam diretamente o humor e as funções cognitivas, no contexto de sono e ritmos circadianos normais, permanecia um mistério.

Para solucionar essa dúvida, a equipe do Dr. Hattar criou um modelo em que camundongos são expostos a um ciclo claro-escuro aberrante, com 3,5 horas de claro e 3,5 horas de escuro. Esses animais apresentam comportamento semelhante a depressão, com prejuízos também de memória, mas sem alterações no sono nem nos ritmos circadianos de atividade – o que poderia justificar esse resultado, já que o sono e outros ritmos tem um papel importante na consolidação das memórias. Os camundongos apresentam, no entanto, um aumento nos níveis de corticosterona (um hormônio relacionado ao estresse). A administração de substâncias antidepressivas reverte esse déficit de aprendizado e diminui a corticosterona, o que sugere que esse prejuízo é decorrente da depressão e do estresse. Entretanto fica a pergunta: quais os circuitos neurais envolvidos nesse processo?

A informação luminosa é captada pela retina, que é uma camada de células que forra a parte interna e posterior dos olhos. Duas vias principais seguem a partir daí: a) uma para formar imagens – através dos cones e bastonetes para o córtex cerebral, o que permite termos consciência da cor e forma, e b) outra que não tem a ver com a visão propriamente dita, mas sim com sincronização para os ritmos circadianos – através das células ganglionares que tem um fotopigmento responsivo a luz (melanopsina) e enviam projeções para o núcleo supraquiasmático (conhecido como relógio biológico).

Trabalhos anteriores da equipe do Dr. Hattar mostraram que essas células da retina que contém o fotopigmento também projetam para núcleos cerebrais que controlam emoções (como a amígdala), o que já sugeria a hipótese da luz ter um efeito direto no humor. Para testar essa ideia, os cronobiologistas examinaram os efeitos comportamentais da presença desse ciclo de luz aberrante (de 3,5 horas de claro e 3,5 horas de escuro) em animais que não têm essas células fotossensíveis na retina. Nestes camundongos transgênicos, o ciclo de luz aberrante não prejudicou o humor e a aprendizagem, apesar dos animais manterem a capacidade para detectar a luz para a formação de imagem.

Como conclusão, esses resultados mostram que a luz influencia diretamente o humor, proporcionando um novo modelo para o estudo da depressão, umas das principais doenças das sociedades modernas.

 

* Médico, doutor em Psicobiologia e Divulgador Científico

 

Sugestão de Leitura

 

Tara A. LeGates, Cara M. Altimus, Hui Wang, Hey-Kyoung Lee, Sunggu Yang, Haiqing Zhao, Alfredo Kirkwood, E. Todd Weber & Samer Hattar (2012). Aberrant light directly impairs mood and learning through melanopsin-expressing neurons. Nature, published online 14 November.

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