Geralmente nos recolhemos todas as noites (ou às tardes, ou às manhãs, dependendo de cada um) esperando entregar-se a um mundo de relaxamento absoluto e, se possível, ter um ou dois sonhos interessantes, para divertir-se com eles ao acordar e contar a alguém nossas aventuras oníricas. Todavia, poucos de nós paramos para refletir como nosso cérebro trabalha, tanto para garantir nosso relaxamento, quanto para nos “entreter” com sonhos e/ou pesadelos.
As pesquisas que se preocuparam em estudar o funcionamento cerebral durante o sono, nos indicam que: durante a vigília estão ativos tanto nosso sistema colinérgico (acetilcolina) quanto o aminérgico (serotonina, noradrenalina, dopamina e histamina). Durante as 4 fases NREM do sono, o sistema aminérgico vai sendo gradativamente desativado, até que, quando entramos na fase REM existe apenas o colinérgico. Uma curiosidade que vem a calhar: os anti-histamínicos de primeira geração – que passavam pela barreira hemato-encefálica – como o Phenergan® causavam bastante sonolência, justamente porque impediam a captação da histamina, o que fazia com que o sistema aminérgico ficasse desfalcado.
Alguns estudos demonstram que a desativação progressiva do sistema aminérgico ajuda a restaurar a densidade dos receptores desses neurotransmissores, principalmente os de noradrenalina. Esta é uma das razões pelas quais acordamos mais atentos, dispostos e tranquilos do que quando fomos dormir, afinal, os receptores de NA, DA e 5-HT – respectivamente – que geralmente sofrem o fenômeno de down-regulation durante a vigília (em função da alta utilização), estão em um número maior e conseguem captá-la com mais rapidez, aguçando assim nosso sistema atencional, motivacional e emocional. Além disso, durante as fases NREM, são degradadas as adenosinas, que são substâncias liberadas pelos neurônios quando trabalham demais, e que diminuem suas atividades, como se os obrigassem a induzir-nos ao sono. Menos adenosina, mais funcionamento geral do cérebro, maior a disposição! Por isso, se quiser ter alta produtividade, zele pela qualidade e quantidade do seu sono, ao invés de passar noites em claro trabalhando.
O aspecto mais fascinante do sono, tanto hoje quanto na antiguidade, é a origem dos sonhos. Misteriosos, eles intrigaram filósofos de todos os tempos. Hoje em dia, a ciência começa a solucionar esse enigma e a difundir nos meios de comunicação: de onde vem para que servem os sonhos!
Todos já devem ter acordado pela manhã pensando não ter sonhado nada. A maioria já deve ter ouvido que “a gente sempre sonha, mas às vezes não lembra”. Realmente, este aparente paradoxo – que se tornou popular – tem embasamento científico. Como há praticamente apenas acetilcolina atuando durante a fase REM (quando sonhamos), a formação das memórias é pueril. Para a formação de uma memória mais densa, é necessária a ação da noradrenalina. Por isso que lembramos do sonho quando coincide de acordarmos durante a fase REM, pois daí a nossa memória à base de acetilcolina pode ser consolidada pela reativação da noradrenalina.
Os sonhos são uma expressão da associação cega de nosso aprendizado acumulado durante o dia, e nossas memórias armazenadas até então. Essa associação permite que consolidemos na memória de longo prazo, as informações obtidas em vigília. Mesmo eles sendo extremamente confusos (tão confuso que os psicanalistas faturam uma grana, tentando ajudar seus pacientes a “interpretá-los”), é verdade que enquanto estamos sonhando é impossível pensar: “Ah! Isso é apenas um sonho!”. Desta forma, podemos tanto vivenciar o prazer real com sonhos de cunho erótico, bem como o medo extremo com os pesadelos.
Mas, o que será que nos impede de raciocinar logicamente enquanto sonhamos? O que se descobriu até agora é que, de todas as partes do cérebro, o córtex pré-frontal é o que diminui mais a sua atividade global durante as fases NREM. Contudo, ao entrar na fase REM, ele começa a ativar algumas de suas regiões, principalmente suas áreas posteriores e mediais, que estabelecem bastante conexão com o sistema límbico – por isso que o conteúdo emocional (agradável, ou não) sempre permeia nossos sonhos – mas em contrapartida, mantém-se desativadas as áreas ventrais e laterais, responsáveis pela lógica e tomada de decisão. Isso nos impede de analisar criticamente a realidade onírica, e por isso tratamos o sonho como algo real (quer saber como um esquizofrênico vivencia sua alucinação? Lembre-se do seu último sono, em que caminhava sobre a água e via porcos voando pelo céu, enquanto ria pensando em “como tudo está no seu devido lugar”).
Mas, que bom que é assim! Uma das principais funções do sonho é – além da consolidação da memória – a geração de insights criativos capazes de resolver problemas do nosso cotidiano (Einstein sonhou que via um feixe de luz pareado ao lado dele, enquanto ele estava num carro, na véspera de conceber a Teoria da Relatividade; Bram Stoker sonhou com um grupo de vampiras, na véspera de criar sua história mais famosa: Drácula, etc.) Estes insights são possíveis porque a associação das memórias recentes, com os nossos conhecimentos prévios, são totalmente caóticas. Se nós fossemos capazes de censurar esse processamento, perderíamos muito tempo selecionando o que está “de acordo com a realidade”, e não obteríamos do sonho o seu verdadeiro propósito.
Thales Coutinho, acadêmico do 4º ano do curso de Psicologia e responsável pelo website de divulgação científica: http://www.psye.com.br- ALOÉ, Flávio. AZEVEDO, Alexandre Pinto de. HASAN, Rosa. Mecanismos do ciclo sono-vigília. Rev Bras Psiquiatr, vol. 27, pp. 33-39, 2005.
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