SBPC encaminha manifesto sobre Código de CT&I ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

Confira a íntegra da carta enviada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no dia 9 de novembro.

 

Senhor Ministro,

A competitividade de um país, em um mundo no qual os mercados são globalizados e a velocidade da geração de conhecimento e da disseminação das informações é enorme, está associada ao desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação. A existência de um marco legal moderno e desburocratizado de modo a fomentar a pesquisa e o desenvolvimento em patamares de excelência é uma das condições para que esse desenvolvimento ocorra.

Há no Brasil um conjunto de legislações fundamentais para o desenvolvimento de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), tais como a Lei de Licitações, a Lei de Inovação e a Lei do Bem, que representam avanços legais, mas, no entanto estão aquém do dinamismo e da realidade do setor.

A inovação, a criação de novas tecnologias, o desenvolvimento de novos produtos e processos são importantes para aumentar a competitividade brasileira no cenário internacional, mas também, e em especial, para beneficiar toda a população brasileira, contribuindo com o aumento do IDH regional e nacional, com a geração de novos empregos, com a circulação de riquezas e, em consequência, com o aumento de arrecadação que se reverte em prol de todas as demais políticas públicas.

Investimentos consistentes nas ações específicas e na valorização dos atores que compõem o Sistema Nacional de CT&I, tais como universidades, institutos e centros de P&D, agências de fomento federais e estaduais, secretarias gestoras de CT&I nos Estados, empresas que executam projetos inovadores, pesquisadores, são essenciais para consolidar tal Sistema.

A proposta de um Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que tramita concomitantemente na Câmara dos Deputados (PL 2177/2011) e no Senado Federal (PLS 619/2011) objetivou tornar mais célere e descomplicada as regras para aquisições e contratações, no âmbito da CT&I.

No entanto, está desnecessariamente longo e burocratizado. A ciência e a inovação cursam na fronteira do conhecimento, e necessitam de uma base legal que atenda às frequentes mudanças dos quadros locais e mundial. Os decretos e portarias ligados à ciência e inovação devem ter como base um código abrangente que norteie conceitos. Este código tem que prever possibilidade de mudanças de forma a assegurar as atividades na fronteira do conhecimento.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência acredita que o Código deve conter princípios e não um conjunto detalhado de procedimentos operacionais e linhas punitivas. Não deve conter regramento, mas sim dar as bases para um regramento mais facilmente mutável, de acordo com as necessidades e aprimoramentos decorrentes da evolução dos fatos. As atividades de CT&I envolvem uma dinâmica que requer contínuas atualizações nas regras e controles, baseadas em um código de princípios legais mais permanentes, mas também estes atualizáveis periodicamente.

Abaixo pontuamos alguns aspectos que, no entendimento da SBPC, devem ser reconsiderados na proposta existente ou não devem constar na proposta legal. Não nos esquecemos de também apontar os aspectos positivos. São eles:

1.         Aspectos Gerais

  • A proposta do Código de CT&I é uma iniciativa que buscou superar os obstáculos existentes para o desenvolvimento científico e tecnológico. No entanto, ainda é necessário que alguns pontos sejam mais discutidos e aprimorados, antes de se colocar a matéria em votação. A nova legislação tem que refletir as necessidades da moderna ciência e tecnologia.
  • É importante refletir sobre a necessidade de se criar um Código de CT&I. Se por um lado a proposta de um Código tem a vantagem de se reunir, em apenas um texto, aspectos importantes para a pesquisa e desenvolvimento, por outro é um formato mais rígido que poderia não se adequar ao dinamismo de alguns setores e ao próprio avanço da ciência, levando ao engessamento do setor. Como o marco legal de CT&I está em constante evolução, em compasso com o avanço tecnológico, adotar esse formato pode não ser a melhor opção para o setor. A alternativa seria trabalhar pontos específicos em legislações já vigentes como a Lei de Inovação e a Lei de Licitações e, os pontos não tratados por essas leis poderiam ser apresentados em uma nova lei ordinária, mais facilmente mutável de acordo com as necessidades. Os códigos são mecanismos legislativos que compilam as legislações de um mesmo assunto em um único instrumento legal e são feitos para serem seguidos por longos períodos. Deve-se avaliar se uma melhor operacionalização das leis e regulamentos já existentes não seria suficiente para facilitar as atividades de PD&I.
  • Caso a opção seja pelo formato de Código, esse deveria ser mais enxuto, apenas com princípios, remetendo para regulamentação e outros instrumentos infralegais, detalhamentos que não precisariam constar da lei. Como já considerado, tem que ser uma legislação que estimule a impulsionar a pesquisa no País, e, portanto deve ter agilidade e flexibilidade.
  • A atual proposta de Código apresenta um excesso de exigências para o gestor público de CT&I. Como exemplo de detalhes excessivos, citamos os procedimentos descritos no Art. 9º, acerca de auxílios à pesquisa (regula prazos, detalhes de projeto, etc.) que não devem ser estabelecidos em Lei. A proposta legal deve ser enxuta, simples e desburocratizada. Detalhes devem ser remetidos para regulamentos.
  • O Código como está proposto investe mais no controle do que na execução. Os gestores de CT&I e mesmo as suas instituições não dispõem de máquinas executivas que atendam às exigências já existentes e muito menos novas exigências que venham a ser implementadas. Não seria bastante uma lei aprimorando os aspectos legais considerados falhos ou insuficientes?
  • A atual proposta parece mais enfatizar a criminalização e a penalização, do que propriamente a agilização e a facilitação do sistema de apoio ao pesquisador e ao sistema empreendedor.

2.         Aspectos específicos da proposta do Código de CT&I

2.1.      Alguns pontos positivos:

  • Celeridade e priorização no desembaraço de equipamentos e insumos importados para as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
  • Visto temporário para bolsistas estrangeiros que participam de projetos de pesquisa e desenvolvimento no país.
  • Estímulo à parceria entre universidade e empresa, criando mecanismos facilitadores para a participação de pesquisadores no processo de inovação no ambiente da empresa e em atividades de pesquisa em outras entidades públicas, por meio de afastamento temporário.
  • Sistema de prestação de contas mais flexível, que foca mais no resultado do projeto do que na contabilidade. A prestação de contas poderá ser por meio eletrônico sem a necessidade de encaminhar, no primeiro momento, os documentos comprobatórios, que deverão estar guardados e disponíveis, caso sejam solicitados.
  • Estabelecimento de instrumentos de estímulo à inovação (Art. 23). No entanto, sugere-se alterar no caput a expressão “instrumentos de estímulos à inovação” por “instrumentos diretos de estímulos à inovação”. Propõe-se acrescentar um § 3o com o seguinte texto: “Independente dos instrumentos diretos de apoio à inovação definidos neste artigo, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, poderão apoiar os esforços de inovação da ECTI com fins lucrativos através de projetos cooperativos com ECTIs públicas ou na criação, manutenção e investimento em infraestrutura tecnológica de uso compartilhado por mais de uma ECTI”.

2.2.      Pontos que devem ser revistos ou excluídos

  • Definições

Propomos retificar ou excluir algumas definições constantes no Art. 2o conforme listadas abaixo:

Retirar o inciso VIII, que define Entidade de Ciência, Tecnologia e Inovação privada com fins lucrativos, pois já está contemplada no inciso VII, que trata da Entidade de Ciência, Tecnologia e Inovação (ECTI). Além do mais, este inciso faz um recorte no conjunto de empresas do setor privado, sem definir quais os critérios e quem define qual empresa pode ser considerada uma ECTI. Esse recorte pode restringir o apoio a estas ECTIs, o que vai contra a ideia do Código de estimular que empresas privadas invistam em inovação tecnológica.

Alterar a redação do inciso XV, que define inovação, mantendo a redação constante na Lei de Inovação (Art. 2º, inciso IV) e com o acréscimo que segue: Inovação – introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços que atendam a demandas sociais e econômicas.

Alterar a redação do inciso XVI, que define inventor independente, mantendo a redação da Lei de Inovação (artigo 2º, inciso IX): Inventor independente: pessoa física, não ocupante de cargo efetivo, cargo militar ou emprego público, que seja inventor, obtentor ou autor de criação.

Alterar a redação do inciso XX, que define Pesquisador público, mantendo a redação da Lei da Inovação (artigo 2º, inciso VIII): Pesquisador público: ocupante de cargo efetivo, cargo militar ou emprego público que realize pesquisa básica ou aplicada de caráter científico ou tecnológico.

Alterar o inciso XXIV, que define subvenção econômica, para contemplar, além das ECTIs privadas com fins lucrativos, as entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos, como já prevê a Lei de Inovação, em seu Art.19.

  • Acesso à biodiversidade

O tema do acesso à biodiversidade não deve estar na proposta do Código de CTI. O Brasil é signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica e mais recentemente apoiou a aprovação do Protocolo de Nagoia que trata deste assunto e pelos quais o país assumiu compromisso de ter sua legislação nacional para tratar dos objetivos da CDB, entre eles o acesso à biodiversidade (Atualmente está em vigor a MP 2186-16/2001 sobre o tema, no entanto há negociações para um novo marco legal). Já existe uma longa e complexa discussão sobre este tema, que deve ser tratado em um instrumento legal específico.

  • Atores do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

Em vários pontos do Código, os atores explicitados representam apenas uma pequena parcela de instituições envolvidas no cenário da Ciência, Tecnologia e Inovação.  No Art. 4o, por exemplo, o Código comete o mesmo erro que da Lei de Inovação, ao tratar apenas das agências Federais do MCTI, deixando de lado, por exemplo, o BNDES, Petrobrás, Eletrobras, Vale, Inmetro, Ministério da Saúde, escolas privadas, entre muitos outros. Também restringe a possibilidade de celebrar contratos e convênios apenas com as fundações de apoio, com a finalidade de dar apoio às IFES e demais ECTIs públicas. Não inclui as IES nem as ECTIs privadas, como por exemplo, as universidades estaduais e as universidades privadas.

Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia e Licenciamento

O Art.10 § 2º estabelece que a propriedade intelectual e a participação nos resultados deverão estar previstos nos instrumentos jurídicos específicos, na proporção equivalente ao montante do valor agregado do conhecimento já existente no início da parceria e dos recursos humanos, financeiros e materiais alocados pelas partes. Sugerimos retirar este dispositivo, e deixar que as Partes negociem livremente, independente do aporte de conhecimento prévio e recursos, pois é difícil mensurar  a contribuição de cada ator para uma determinada inovação.

  • Estímulo à inovação nas ECTIs privadas com fins lucrativos

Consideramos ser mais adequado não detalhar os tipos de despesas, e sim deixar mais genérico, pois podem surgir despesas pouco usuais e não previstas ao longo do desenvolvimento de uma inovação. É importante que se deixe claro na proposta que o apoio à inovação não será apenas para o gasto corrente, e para isto, deve-se alterar a expressão “custos da pesquisa” por “custos fixos e variáveis da pesquisa” (Art. 22).

A contratação direta de empresas de reconhecida capacidade tecnológica por órgãos e agências de fomento, visando à realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento que envolva risco tecnológico (Art. 27), já está prevista na Lei de Inovação. Nela está prevista também a possibilidade de contratar entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos e não só ECTI privada com fins lucrativos. A nova lei deveria manter a previsão mais ampla da Lei de Inovação e estender também a previsão de contratação às ECTIs públicas.

Ainda em relação às encomendas tecnológicas, a proposta do Código exige uma série de comprovações para se reconhecer a capacidade tecnológica da ECTI privada. Atualmente, a Lei 8.666/93 permite a contratação direta, com dispensa de licitação, no caso de encomendas tecnológicas, sem exigir as complexas comprovações.

  • Aquisições e Contratações de Bens e Serviços em CT&I

Não obstante a intenção deste Capítulo seja de facilitar as aquisições de bens e contratações de serviços destinados à pesquisa, desenvolvimento e inovação, criando a Seleção Simplificada, de maneira geral traz novamente detalhamentos, exigências e burocracia excessivos.

O Capítulo também regula compras de empresas privadas (Art. 37), o que só seria adequado e faria sentido para gastos com recursos públicos alocados para elas através das agências de governo.

Há dúvidas acerca da Seleção Simplificada do Art. 38 para as ECTIs públicas, que exige ser precedida de Ato Convocatório e termo de referência. Acreditamos que, em alguns casos, seria melhor deixar a critério da ECTI, poder realizar licitação com técnica e preço, para evitar concorrência predatória, como ocorre hoje, em que fornecedores sem a menor condição de prestar o serviço ou realizar a obra ganham procedimento e depois pedem reajustes ou simplesmente não executam o contrato.

Também não cabe especificar o conteúdo do Ato Convocatório, que poderá variar conforme as modalidades muito distintas de aquisição e contratação. Isso ficaria melhor se o Projeto de Lei estabelecer que o processo de Seleção Simplificada pode ser adotado pela ECTI sempre que de seu interesse. Quanto à adoção de margem de preferência no Art. 40 é basicamente uma repetição do que está na legislação de compras públicas (Art. 3o da Lei 8666/1993). Não vemos a necessidade de repetir esta previsão na nova legislação de CT&I.

O Art. 41 regula a Aquisição Direta, limitando uma faixa de valores, que além de ser baixo, perde valor com o passar do tempo. Não cabe especificar limites de valor na lei. Deve ser especificado no regulamento da lei, pois assim poderá ser atualizado periodicamente por decreto.

Os Art. 42 e 43, que tratam da formalização e execução dos contratos, são excessivamente detalhistas e deveriam ser remetidos para regulamento, evitando-se assim aprovar uma norma difícil de ser ajustada.

As Seções III, IV, V que tratam das garantias, dos recursos e da inexecução e da rescisão dos contratos também apresentam detalhes desnecessários na lei, e podem estar em regulamentos.

  • Sanções Administrativas e Crimes e Penas

As seções VI (sanções administrativas) e VII (dos crimes e das penas) desconsideram a legislação brasileira sobre improbidade administrativa. A ênfase nas sanções pode servir como um desestímulo ao empreendedorismo público e mais uma razão para ações do Ministério Público.

Concluímos então, que a proposta do Código de CT&I não corrige as insuficiências das leis vigentes, como as de licitação, de inovação e a lei do bem, pelo contrário, as mantêm e tende a ampliar as exigências e burocracias.

Em nosso entendimento, a discussão da proposta do Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação pode ser uma oportunidade para realizar uma revisão geral da legislação de CT&I, que, inclusive, poderia ser desmembrado em mais de um projeto de lei.

Alertamos, por fim, que o Código não regulamenta o artigo 218 da Constituição, como se propõe, pois esse se refere ao “desenvolvimento científico” e à “pesquisa”, ressaltando que a “pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências”. A proposta do Código trata essencialmente de pesquisa tecnológica e de inovação comprometidas com o desenvolvimento industrial e do sistema produtivo.

Este manifesto resume a posição dos membros da Diretoria, do Conselho, das Secretarias Regionais da SBPC, bem como de suas Sociedades Científicas afiliadas.

Diante do exposto, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência propõe ampliar o debate com os pesquisadores e com os gestores, públicos e privados de CT&I, de modo a construir uma proposta legal mais adequada para estimular o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Atenciosamente,

Helena Nader

Presidente

SBPC

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