Quando querer é poder, artigo de Roberto Lent

Quando querer é poder, artigo de Roberto Lent

Roberto Lent é professor titular e diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Artigo publicado no jornal O Globo de 20 de janeiro.

A imprensa noticia regularmente as grandes dificuldades burocráticas que retardam fortemente a importação de materiais e equipamentos para os laboratórios de pesquisa brasileiros. São atrasos enormes na liberação pela Receita Federal ou pela Anvisa, exigências numerosas de documentos e documentos, às vezes causando a deterioração de substâncias caras e preciosas por armazenamento inadequado, e outras (muitas!) dificuldades. Um caso recente envolveu o meu instituto, e foi noticiado pelo O Globo há poucos dias.

As importações – talvez o público não saiba – são essenciais para o andamento dos trabalhos em laboratório, porque a nossa indústria não tem ainda a diversificação e a especialização técnica para produzir os itens que precisamos – reagentes, materiais, equipamentos e etc. Por conta disso, precisamos importar. Mas com as exigências da Receita Federal e outros órgãos, um experimento pensado por um cientista pode ficar paralisado muitos meses pela demora em conseguir trazer para o laboratório os insumos adequados, mesmo quando temos recursos financeiros para fazer a compra no exterior.

A razão: as importações para a pesquisa são livres de impostos, mas tratadas burocraticamente do mesmo modo que as importações comerciais que as empresas brasileiras fazem para comercialização ou uso em suas fábricas. É preciso apresentar muitos documentos (muitos mesmo!) para liberar os itens importados. E não é por algum capricho ou espírito de perseguição dos órgãos controladores dos aeroportos. É porque não existe diferenciação entre uma coisa e outra – as importações científicas e as comerciais.

A questão, entretanto, é simples de conceituar, e também simples de resolver. Bastaria vontade política para isso. Conceitualmente, o País precisa decidir se deseja alavancar a ciência, a tecnologia e a inovação para o seu desenvolvimento. Há indicadores de que a opinião pública recebe bem essa ideia, e o governo federal nos últimos anos tem correspondido com recursos crescentes e medidas muito positivas. Então, se é isso que todos desejamos, cumpre dar aos pesquisadores instrumentos especiais para a obtenção de insumos para o seu trabalho.

Como resolver o impasse? Talvez seja mais simples do que pensamos. O País atribuiria “passe livre” para os pesquisadores brasileiros credenciados pelas agências de fomento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (pesquisadores 1A, segundo a classificação do CNPq). A ideia do passe livre funcionaria assim: todos os documentos necessários seriam apresentados como mandam a legislação e as normas, mas “a posteriori”, ou seja, depois da liberação dos materiais importados. A Receita não os reteria nos aeroportos como faz hoje, mas os liberaria de imediato, sob a responsabilidade dos pesquisadores credenciados, que posteriormente apresentariam os documentos e se responsabilizariam legalmente pela sua utilização nos projetos de pesquisa.

Haveria malfeitos? Pouco provável. Os recursos de que os pesquisadores dispõem para a compra de insumos não permitem a compra de grandes quantidades, diferentemente das empresas que importam para comercialização. Além disso, todos os documentos seriam apresentados em um prazo pré-determinado depois da entrada dos produtos importados, conforme as exigências legais, e desse modo as irregularidades poderiam ser facilmente identificadas e corrigidas, sem prejuízo para o andamento das pesquisas.

Talvez seja necessário alterar a legislação de algum modo, ou pelo menos as normas da Receita Federal, Anvisa e outras entidades. Mas, se o País reconhecer que a ideia do “passe livre” fomentaria decisivamente a ciência e a tecnologia, repercutindo no desenvolvimento social e econômico, a tarefa de mudar a legislação passa a ser quase uma obrigação dos parlamentares e autoridades envolvidas. A decisão política, nesse caso, é fundamental. As mudanças burocráticas correspondentes são apenas consequências da primeira. E, convenhamos, é possível implementá-las. Nesse caso, querer é poder.

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