Um pouco da pesquisa francesa sobre a plasticidade sináptica no córtex pré-frontal

Em Janeiro de 2011 a SBNeC e a Societé Française des Neurosciences ofereceram auxílio financeiro para doutorandos brasileiros visitarem laboratórios na França, visando a propiciar eventuais colaborações internacionais e/ou projetos de pós-doutorado. Uma vez que fui um dos selecionados para tal auxílio, compartilho aqui um breve relato a respeito de minha interação com grupos de pesquisa franceses, particularmente dedicados ao estudo da plasticidade sináptica no córtex pré-frontal com implicações para memória de trabalho, transtorno de estresse pós-traumático e esquizofrenia. Na expectativa de que esta excelente oportunidade de visitas internacionais renda bons frutos no futuro, agradeço à SBNeC e à Societé Française des Neurosciences pelo auxílio, em nome de todo o grupo de pesquisa que representei durante as visitas: o Laboratório de Investigação em Epilepsia (chefiado pelo Prof. Dr. João Pereira Leite em colaboração com Prof. Dr. Rodrigo Neves Romcy-Pereira). Também agradeço à FAPESP, já que sua reserva técnica ajudou no custeio do transporte ao 10° Colóquio Francês de Neurociências (Marselha, 24-27 de maio: http://www.neurosciences.asso.fr/V2/colloques/SN11/indexEN.html) e nas três visitas aos grupos de pesquisa que nosso laboratório cita regularmente.

A primeira visita (27 de maio, 2011) foi ao laboratório do Prof. Dr. René Garcia (Université Nice Sophia Antipolis, cidade de Nice), cujo interesse corrente é abordar o transtorno do estresse pós-traumático – resistência à perda de medo contextual – por meio de modelos animais de aquisição/extinção do medo condicionado. Utilizando pareamento de estímulos sonoros com choque elétrico nas patas de ratos, o grupo chefiado por Garcia tem utilizado implante crônico de eletrodos no encéfalo de modo a investigar os efeitos da estimulação no hipocampo ventral e no córtex pré-frontal sobre a extinção comportamental do medo condicionado, medido pela redução na taxa do comportamento de congelamento em sessões pós-condicionamento sem choque nas patas. Exemplos de publicações recentes sobre o tema são: Garcia et al. (2008) e Deschaux et al. (2011). Publicações um pouco mais antigas do grupo de René Garcia (Herry et al., 1999; Herry e Garcia, 2002) ajudam a fundamentar os atuais esforços desse grupo de pesquisa em Nice, uma vez que tais estudos indicaram que a resistência à perda do medo condicionado em camundongos é associada à depressão sináptica, mas não potencialização, no córtex pré-frontal. Considerando-se que: (1) Herry et al. (1999) e Herry e Garcia (2002) foram os primeiros trabalhos a induzirem plasticidade sináptica pré-frontal por estimulação do tálamo mediodorsal in vivo; e que (2) em um dos projetos de nosso laboratório (Bueno-Júnior et al., 2010), o tálamo mediodorsal também foi alvo de estimulação para indução de plasticidade sináptica pré-frontal (visando-se ao estudo da modulação da plasticidade por agonistas colinérgicos), tais publicações foram cruciais para o delineamento de nossos esforços recentes na investigação de respostas no córtex pré-frontal evocadas pelo tálamo, com apoio teórico de Rodrigo Romcy-Pereira. Ciente de nosso interesse sobre a plasticidade pré-frontal, mencionada em troca de e-mails prévia, René Garcia propôs a apresentação de um seminário durante a visita. Diante de tal oportunidade, preparei o seminário de modo a reunir os achados provenientes de todos os projetos de nosso laboratório relacionados diretamente à plasticidade pré-frontal (Lopes-Aguiar et al., 2008; Ruggiero et al., 2010). Assim, a intenção era de abrir portas para eventuais projetos futuros de colaboração internacional ou, no mínimo, iniciar canais de comunicação remota para trocas de ideias. Tal intenção foi mantida durante as outras duas visitas abaixo relatadas.

Na semana seguinte, em 31 de maio, visitei a Profa. Dra. Thérèse Jay, uma respeitada pesquisadora da Université Paris Descartes (Centre de Psychiatrie et Neurosciences) que descreveu pioneiramente a plasticidade sináptica pré-frontal por estimulação in vivo do CA1 hipocampal (Jay et al. 1989; Laroche et al. 1990; Jay et al. 1992). Thérèse Jay, aliás, foi uma das pessoas que visitaram nosso pôster durante o Colóquio de Marselha. Tendo em vista que nosso laboratório tem investigado a modulação colinérgica da plasticidade hipocampo-frontal há quatro anos (desde a permanência de Rodrigo Romcy-Pereira como pós-doutor no laboratório de João Leite), a contribuição de Thérèse Jay também foi importante para a padronização da obtenção de respostas eletrofisiológicas de campo no córtex pré-frontal. Por causa de restrições de agenda da pesquisadora, um seminário similar ao apresentado a René Garcia teve de ser cancelado. Mesmo assim, Jay foi solícita ao descrever seus principais interesses atuais, que incluem: (1) contribuição ao estudo de um modelo animal para perturbação seletiva do desenvolvimento de circuitos límbicos (E17-MAM, Matricon et al. 2010; Pen et al. 2011), gerado pela injeção sistêmica da mitotoxina acetato de metilazoximetanol (MAM) em ratas prenhas no dia embrionário 17 (E-17), que é eficaz em reproduzir a patologia e a evolução comportamental observada em pacientes com esquizofrenia; (2) a modulação da LTP hipocampo-frontal pelo estresse e depressão maior, bem como o estudo dos receptores glutamatérgicos como alvos alternativos para possíveis novas terapias contra a depressão maior (Qi et al., 2009; Caudal et al. 2010; Lavergne e Jay, 2010); e, mais recentemente, (3) a influência do abuso adolescente de Cannabis na potencialização dos sintomas de esquizofrenia em indivíduos geneticamente suscetíveis (dados ainda não publicados). Em todas essas três frentes de trabalho, o grupo chefiado por Jay tem utilizado diferentes estratégias de biologia molecular, eletrofisiologia de campo e observação comportamental, tanto em ratos quanto no âmbito clínico, o que resulta na grande produtividade de sua pesquisa como pode ser constatado por meio das bases de indexação. Embora eu não tenha apresentado um seminário a Jay e sua equipe, procurei descrever informalmente os esforços coletivos de nosso laboratório, na tentativa de identificar eventuais interesses em comum envolvendo diferentes projetos de pós-graduação.

Na terceira e última visita (3 de junho, 2011), apresentei o seminário à equipe do Prof. Dr. Satoru Otani, pesquisador japonês que trabalha na Université Pierre et Marie Curie (Paris). Desde a última década, Satoru Otani tem publicado revisões e livros (por exemplo, Otani, 2003; Otani, 2004; Goto et al. 2010) de grande contribuição à compreensão sobre a fisiologia pré-frontal subjacente à memória de trabalho e processos executivos, i.e. o conjunto de recursos cognitivos que inclui tomada de decisões, inibição comportamental sob esquemas de reforço com intervalos de retenção, deslocamento da atenção conforme a relevância das informações ambientais, aquisição de regras de contingências, etc. Os atuais esforços de pesquisa do grupo de Otani, em colaboração com pesquisadores canadenses, têm dado foco: (1) às alterações sofridas pela plasticidade hipocampo-frontal in vivo após aplicação sistêmica de diferentes agonistas/antagonistas de receptores glutamatérgicos, com ênfase na manipulação de receptores NMDA por doses sub-anestésicas de cetamina em ratos acordados ou previamente anestesiados com uretana (Kamiyama et al. 2011); e (2) à interação entre as transmissões glutamatérgica e dopaminérgica na plasticidade sináptica pré-frontal in vitro e in vivo (Otani et al. 2003; Matsuda et al. 2006; Goto et al. 2007; Kolomiets et al. 2009). Através dessas abordagens, a equipe de Otani também está interessada em contribuir para uma melhor compreensão a respeito da esquizofrenia, cuja manifestação tem sido associada a desequilíbrios de múltiplos sistemas neuroquímicos no córtex pré-frontal.

Em termos de equipamento e espaço, as visitas foram importantes para uma auto-avaliação da estrutura de nosso laboratório, que de modo geral está apto a produzir pesquisa eletrofisiológica de plasticidade sináptica em nível internacional de qualidade e impacto. Porém, as visitas foram especialmente importantes para a abertura de canais de comunicação, e para que nossa linha de pesquisa sobre plasticidade sináptica in vivo (ainda nascente em Ribeirão Preto) fosse apresentada de forma evidente a esses pesquisadores que trabalham com o assunto há mais tempo. Considerando-se que os três pesquisadores visitados parecem ser bem inseridos na rede francesa de neurocientistas (conforme pude notar durante o Colóquio de Marselha) e que a neurociência francesa é, por causa do tema de nossa pesquisa, um dos principais alvos de nossas citações, o simples fato de termos nos apresentado e anunciado aceleração nas publicação a partir de 2011 já parece ser uma boa consequência das visitas. Embora interesses mútuos de pós-doutorado não tenham sido explicitamente mencionados durante as conversas, esperamos que a manutenção dos contatos renda boas possibilidades para nosso laboratório ao longo do tempo, uma vez que muitas projeções experimentais ainda informais de nosso grupo coincidem com interesses atuais dos grupos franceses visitados.

Referências

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