Jornalismo científico: a imprensa deve ensinar a pensar

Quem se dedica profissionalmente ao jornalismo científico raramente cai em “armadilhas” da pseudociência, na hora de avaliar sugestão de pautas sobre os “produtos milagrosos” à base de barbatana de tubarão, das ervas da Amazônia ou de chás coreanos. Ou que sugere a crença em mapas de numerologia ou ímãs magnéticos contra o estresse. Nem mesmo chegará a confundir astrologia com astronomia. O riscos, segundo o jornalista Marcelo Leite, doutor em ciências sociais pela Unicamp e colunista de Ciência da Folha de São Paulo, são mais sutis. Os problemas começam com o assédio das assessorias de empresas interessadas em promoção, que entopem a caixa postal do jornalista com informações nem sempre de relevância científica ou jornalística.

“O risco maior é se transformar – conscientemente ou não – numa espécie de propagandista de uma ideologia cientificista, que prega infalibilidade e inquestionabilidade” – alerta. Para ele, esse risco não é tão pequeno como pode parecer. Geralmente, o profissional de imprensa que se dedica à área, é um entusiasta da ciência. Por isso, Leite aconselha autodisciplina, autocontrole e uma boa base de reflexão filosófica sobre ciência ou sociologia, “como forma de não se entusiasmar com os resultados parciais e reproduzir meramente os dados”.

Fazer pensar

Marcelo Leite acredita que o papel do jornalista de ciência não pode ser o de simples divulgador de coisas interessantes ou de informações básicas. Mas, antes de mais nada, de fazer pensar.” Debater é a missão primeira do jornalismo científico e não apenas reproduzir acriticamente uma ideologia. O jornalista não pode se esquecer que por trás dos dados existem conclusões parciais que devem se modificar com novas observações.” Lamenta que o debate no país na área de ciência seja muito passional – como a qualidade da discussão, por exemplo, sobre o alimentos transgênicos “que inviabilizou o debate racional. Ficamos presos numa polarização, da mesma forma como agora ocorre com o debate sobre o Código Florestal Brasileiro”. O especialista considera um erro acreditar na falta de preparo do público para participar da análise de questões técnicas e mais complexas.”A ciência deve ser debatida em público e não apenas pelos pares como se diz. Isso cria uma obrigação maior para jornalistas, professores de universidade, pesquisadores, legisladores e juizes”- assinala.

Despreparo

Marcelo Leite criticou o despreparo não só de jornalistas, mas dos intelectuais da área de ciências humanas, que “ao se pronunciarem sobre ciências naturais falam bobagem: o mais comum é falar coisas como sobre o principio da incerteza de Heisenberg, fazendo transposição de conceitos equivocados”. A mesma observação vale também, segundo ele, para o pesquisador das ciências naturais: quando fala sobre filosofia e história da ciência ou tenta abordar críticamente a sua própria atividade, comete erros grosseiros “com uma visão epistemológica ingênua”. Depois de defender sua tese de doutorado sobre Genoma Humano, Leite se convenceu de que a maioria dos biólogos moleculares, por exemplo, desconhecem profundamente a história da biologia molecular.” Acho que a contribuição da Filosofia e especialmente da Filosofia da Ciência – um campo aqui não tão desenvolvido – poderia contribuir para melhorar essa compreensão, gerando conseqüências positivas para o debate sobre os programas e pesquisas dentro da universidade e entre o publico em geral”.

Antes de tudo, jornalista

Diante dessa realidade, como o jornalista deveria se comportar? Marcelo Leite faz questão de dizer que antes de ser jornalista de ciência, o profissional não deve se esquecer de que é jornalista. E como jornalista, Leite gosta de lembrar do que chama de um “mini código de ética” que ouviu de um jornalista americano: busque a verdade, aja com independência e minimize o dano. Ressalta que a noção de verdade do jornalista não é a mesma do cientista. Este está buscando a verdade da sua especialidade enquanto o jornalista tem que ter lealdade com o público.”Sua lealdade primeira é com o público, não com o cientista e seu enfoque tem que ser da sociedade para com a ciência e não da ciência para com a sociedade”. Outra regra básica do jornalismo também é importante para a área da ciência, embora muitas vezes seja mais complicado: ouvir sempre o outro lado. Quando não existir, procurar sempre a opinião de outro profissional da mesma área, o que é uma forma de minimizar eventual dano.” Muitas vezes reproduzir a noção de que aquele pesquisador é a maior autoridade e publicou na Nature, nem sempre basta. Não se pode esquecer que a revista Science publicou um “paper” de um coreano que havia falsificado os dados. Muitas vezes o sistema de checagem pode falhar mesmo nas principais revistas”, alertou o jornalista.

Como traduzir

A forma de contar a notícia para o público, que não é obrigado a compreender termos científicos como gen, DNA, célula, tem muito a ver com o sucesso da transmissão do conhecimento. Leite aconselha ser didático, com o uso de metáforas e analogias, para explicação de conceitos, fugindo do uso do jargão, mas sempre tendo em mente que toda metáfora é imperfeita e que deve ser usada de maneira controlada. “O preço da metáfora é a eterna vigilância”, gosta de parafrasear. Ele se lembra do manual de redação da revista The Economist que adverte para não ser didático demais e sugere o uso da criatividade. Marcelo Leite afirma que o Brasil vive uma crise do jornalismo narrativo. “As reportagens raramente contam histórias. Quando contam, contam mal, de maneira precária. Contar boas histórias é a alma do jornalismo e uma das melhores formas de você resgatar a ciência natural para o universo da cultura”. Ele acha que a imprensa deve contar quem são as pessoas que fazem ciência, como elas vivem e trabalham.” Faz parte do jornalismo científico ou deveria fazer, escrever perfis, como é a vida dentro do laboratório, como as pessoas se relacionam, colaboram, como são inventadas as hipóteses, desenhados os experimentos, obtidas as verbas – se a pessoa souber contar uma história boa, tudo tem interesse e relevância”. Marcelo Leite lamenta que boa parte da dificuldade do país nessa área está em lidar com a ciência natural por causa de deficiência da educação científica. Não adianta, segundo ele, que 97 a 98% das crianças freqüentem o ensino fundamental, que ainda enfrenta sérios problemas de qualidade. “Na educação científica então nem se fala” – frisou, lembrando que nas redações que freqüentou, os próprios jornalistas e intelectuais ignoram o básico de ciência e fazem questão de não conhecer. “Ignorância não é pecado. O pior é não reconhecer que essa ignorância seja problema. E é comum esse analfabetismo científico.”

*Rubens Zaidan é jornalista e está se especializando em Jornalismo Científico no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo- Labjor- da Unicamp.
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