A Crise não é financeira

logo1“The principle of world-changing enters the stage during the 17th century. In the course of the 18th and 19th century it becomes the ideology of progress, and during the 20th century it grows to become a great power ruining the environment. Since then we begin to realize that world-changing without self-changing means an agenda of destruction.” Peter Sloterdijk

finance-crisis-photo1As manchetes não param. Crise pra lá, crise pra cá. PIBs crescendo menos que o previsto e almejado, trabalhadores protestando por demissões em massa, montadoras falindo, bancos quebrando. Perante tal cenário, não me atreveria a dizer que a crise financeira não existe. Refiro-me às bases da crise, suas origens mais profundas e sutis; e proponho, junto a muitas outras pessoas mundo afora, que estas não são exclusivamente econômicas.

Em primeiro lugar, a crise não é, absolutamente, apenas financeira. As mudanças climáticas e o aquecimento global são o mais notório exemplo de que a crise tem proporções muito maiores do que a quebra de bancos e o desemprego em larga escala. Se desemprego em massa é preocupante, o que dizer de extinção em massa? Neste exato momento enfrentamos o que se chama a 6X (1), a sexta maior extinção em massa na história do planeta. E também enfrentamos uma crise global de água (2) e energia (3). Portanto, se olharmos de uma perspectiva mais abrangente, veremos que a crise existe simultaneamente em muitas áreas: ambiente, educação, cultura, política, direitos humanos, religião, etc.

Mas não se trata de um momento de caos ou de fim dos tempos em que seremos confrontados com forças superiores e incontroláveis, trata-se de uma série de eventos que estão relacionados de maneira muito mais íntima do que aparenta ao olhar superficial. Todos eles são sintomas de uma única doença, são reflexos distintos de um único e mesmo fenômeno: A crise em questão é uma crise de consciência.  Nos faltou consciência, como indivíduos e como sociedade. E em larga escala. Não estivemos conscientes nas últimas décadas da impossibilidade de manutenção de um consumismo exacerbado por uma população que cresce exponencialmente em um planeta finito. Este modelo têm como conseqüências graves desequilíbrios ecológicos e o esgotamento dos recursos naturais (4), que está diretamente relacionado aos problemas de água e energia. Estes por sua vez ameaçam a manutenção do próprio sistema econômico, que depende desses recursos como propulsão.

Quando entendemos esta perspectiva unificada, de que há uma origem comum a diversos aspectos da situação atual, a possibilidade de uma solução se torna mais palpável. Diminui a sensação de impotência. Esta visão nos torna capazes de encarar a crise não com medo, mas com esperança; como uma oportunidade para mudanças radicalmente positivas. Um exemplo cotidiano: apesar de a grande maioria de nós saber que não devemos jogar a bituca ou o papelzinho na rua, é difícil encontrar alguém que tenha real consciência da dimensão do problema. Isto se deve à distância perceptual que há entre uma ou duas bitucas de um sujeito eventualmente jogadas na sarjeta até ao amontoado que se forma no subsolo, arremessadas diariamente por milhares de habitantes de uma megalópole como São Paulo ou Rio de Janeiro. Atitudes cotidianas e aparentemente sem maiores consequências, como jogar bituca de cigarro nas ruas, geram consequências abrangentes de um ponto de vista mais amplo (no caso, os entupimentos de bueiros e acúmulo de lixo urbano, os quais facilitam a ocorrência de enchentes e trazem possibilidade de doenças).

Coisas semelhantes ocorreram na especulação imobiliária nos EUA ou na poluição das grandes capitais pela horda de automóveis a combustão, que causam algo inimaginável se pensarmos do ponto de vista de um único carro, ou alguns poucos. Existem muitos outros fenômenos semelhantes, tanto na esfera ambiental, como poluição de ar, terra, água e desmatamento, como na política com a corrupção crescente e na economia com um modelo demasiadamente concentrador de renda, inconsequentemente especulativo e arriscado. Não deixamos a situação se agravar tanto porque não tivemos alternativas viáveis, por exemplo, ao uso excessivo de combustíveis fósseis (5), como etanol (6), energia eólica (7) e biológica (8); mas porque não tivemos, como indivíduos e como coletividade, a verdadeira consciência das reais conseqüências destas atitudes (ou da falta delas). Não deixamos de implementar alternativas possíveis para um capitalismo mais humanitário (9) porque não haviam possibilidades, mas porque seguimos profundamente hipnotizados pela promessa de enriquecimento material como objetivo de vida.

É justamente esta percepção de que o problema fundamental está em nossa própria consciência que nos propicia algo fantástico, que é virar a crise a nosso favor, a favor da coletividade humana e da vida no planeta. Esta é uma oportunidade única porque não é uma crise financeira nos EUA ou na Europa, é global. Não se trata de poluição e esgotamento do petróleo na China, é no mundo todo. O aquecimento não vê fronteiras. Estes fenômenos, justamente por serem todos de escala mundial, praticamente nos intimam a quebrar a barreira do individualismo e da segregação de povos, nações e credos. Nos propiciam um momento ímpar para abandonar a cultura egocêntrica do enriquecimento material individual como meta de felicidade. Isto permite o florescimento de uma nova consciência sobre o planeta, sobre nós mesmos e sobre qual é o nosso lugar nesta rede viva, única no universo.

*Eduardo Schenberg é aluno de doutorado em neurociências e comportamento – USP

Para saber mais sobre assuntos relacionados: http://www.plantandoconsciencia.org

1 – 6X
2 – World Water Council
3 – IRENA
4 – Creative Accounting
5 – Peak Oil
6 – Pumping Renewables
7 – Ventos Ignorados
8 – Bioenergia
9 – FIB

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