Alguém pode imaginar que a educação e saúde pública dos Estados Unidos são as melhores do mundo, pois eles são o país mais rico do planeta. Quando adolescente, eu pensava dessa forma. Mas, à luz das pesquisas internacionais, não é isso que ocorre.
Consideremos o caso da educação: de acordo com alguns indicadores internacionais de qualidade em educação1, os EUA ocupam o 17º lugar no ranking de qualidade, de uma lista formada por 40 países; os três primeiros colocados são, em ordem: Finlândia, Coréia do Sul e Hong Kong. O Brasil, vergonhosamente, ocupa a penúltima colocação no ranking; atrás de nós apenas a Indonésia. Alguns países latino-americanos estão a nossa frente em matéria de educação básica: México, Uruguai e Chile2.
É curioso observar que nos EUA estão as melhores universidades do mundo. De acordo com alguns rankings, das dez melhores universidades do mundo, todas3 ou quase todas4 são americanas. Mas as escolas americanas, a julgar pelo desempenho de seus estudantes, não são as melhores do mundo. No Brasil, de forma semelhante, estão as melhores universidades da América Latina e, conforme alguns rankings, as duas melhores são brasileiras (USP e UNICAMP). Mas os brasileiros têm as melhores escolas entre os latino-americanos? De acordo com as avaliações internacionais, não! E olha que nós somos o país mais rico da região. Em outros países, como Japão e Canadá, as coisas são diferentes: escola e universidade estão no mesmo nível, eles não tem as melhores escolas ou universidades do mundo, mas escolas e universidades que estão entre as melhores do mundo, e que são igualmente muito boas.
Não entendo de saúde pública, pois não tenho formação ou trabalho nessa área e pouca leitura a respeito. Mas há poucos dias li o texto de um profissional da saúde que achei interessante, pois a forma como ele vê a saúde no Brasil é semelhante a forma como vejo a educação. O texto foi escrito por Luís Fernando Tófoli, médico psiquiatra e professor de psiquiatria na UNICAMP, de onde reproduzo o fragmento abaixo5:
O Brasil encontra-se em uma encruzilhada sanitária, e precisa decidir qual modelo deseja seguir. Exemplificando o dilema com as duas maiores rendas per capita das Américas, precisamos saber quanto queremos ser como o Canadá, que tem um sistema nacional de saúde que cuida praticamente de todos os cidadãos, tendo a porta de entrada obrigatória na atenção primária e excelentes índices sanitários; e quanto queremos ser como os Estados Unidos, que detêm o recorde mundial de gastos em saúde, um sistema de saúde público nanico e índices que estão entre os piores entre os países de alta renda.[grifo meu]
A educação e, conforme o texto do Prof. Tófoli, também a saúde, no Brasil parecem dar prioridade aos serviços “do topo da pirâmide”, os mais complexos, deixando para segundo plano os serviços de base – educação básica e atenção primária em saúde. Em outras partes do mundo, como vimos, os serviços básicos em educação e saúde são prioritários. Com isso não quero dizer que a universidade e os serviços clínicos complexos sejam satisfatórios no Brasil, mas destacar que os serviços básicos não têm recebido a mesma atenção que os serviços “superiores” ou complexos, e alertar para o risco disso.
No que diz respeito à educação, investir na universidade sem investimento proporcional na escola básica não resultará em desenvolvimento para o país, bem estar social ou qualidade de vida. Isso porque, em primeiro lugar, é a escola que fornece a “matéria-prima” para a universidade; os secundaristas de hoje são os universitários de amanhã. O que podemos esperar desses estudantes quando entraram na universidade, sendo que 91% deles não aprenderam matemática adequadamente e mais da metade são analfabetos funcionais6 (não conseguem interpretar um texto simples)? Além disso, os produtos da universidade – conhecimento, cultura, patentes – só tem valor se chegarem as pessoas de alguma forma. Como as pessoas irão usufruir desses produtos sem um mínimo de conhecimento que lhes permita fazer uma interpretação crítica da ciência e de seus produtos? De que adianta a universidade fazer divulgação científica quando, repito, mais da metade dos estudantes terminam os ensino médio sem saber interpretar uma simples notícia de jornal?
É necessário e urgente que haja um esforço para melhorar a qualidade da educação básica, o que começa por uma melhor formação e valorização de seus profissionais e, a partir de então, a busca de alternativas e muito trabalho para que nossos estudantes possam deixar a escola com mínimo de conhecimento adequado em línguas, matemática e ciências naturais e humanas. Isso tudo sem prejuízo para os investimentos e qualidade do ensino superior. Com relação à saúde, deixo a palavra com os profissionais da área, mas talvez o caminho seja semelhante, prioridade para os serviços básicos e de prevenção.
Cleanto R. Rego Fernandes é biólogo e estudante de mestrado em Psicobiologia na UFRN. Contato: cleantobio@gmail.com
Referências:
1)http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/11/121127_educacao_ranking_eiu_jp.shtml
2) http://www.oecd.org/pisa/pisaproducts/48852548.pdf
3) http://www.webometrics.info/en/world
4) http://www.timeshighereducation.co.uk/world-university-rankings/2012-13/world-ranking
5) http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,uma-ira-epidemica-,1069872,0.htm
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