Recentemente, circulava pelas redes sociais e grande mídia, o anúncio da “cura do câncer” descoberta por pesquisadores da USP. Essa cura se daria pela molécula fosfoetanolamina.
Tomada grande polêmica e dimensão da “descoberta”, processos judiciais obrigando a USP a fornecer a molécula foram movidos por familiares e pacientes. Não tenho dúvidas que o ocorrido causou, e ainda está causando, transtornos imensos para a USP, a qual já se pronunciou sobre o assunto havendo já retratação de alguns dos canais televisivos e jornais.
Muitos colegas, indignados com o “sensacionalismo midiático” e até mesmo com a “ignorância do povo”, se pronunciaram na época do “lançamento do medicamento”. Diante disso pergunto: por que será está acontecendo tudo isso? Culpa da mídia? Da Globo ? Da ignorância do povo? E nós? Que culpa temos nós, cientistas e pesquisadores, diante desse caso?
Desculpe frustrar quem estava esperando um texto acerca do sensacionalismo midiático. Mas, não, a culpa não é da mídia e muito menos do povo ignorante. A culpa é única e exclusivamente nossa. Somos nós que não educamos o nosso povo e que não usamos a mídia para divulgar ciência. Somos nós que não produzimos revistas de divulgação científica com linguagem acessível. Somos nós que não vamos à televisão, rádios e jornais falar com a população e , quando os poucos colegas heroicamente vão, ainda, somos nós que criticamos.
Precisamos perceber que, apesar de toda a “ignorância” do povo sobre a ciência suas tecnologias e metodologias, há uma crença da população brasileira na ciência e em nós cientistas. Isso fica evidente uma vez que, ainda que equivocadamente apresentada, a notícia de que uma “pesquisa científica descobriu a cura” foi capaz de atrair a atenção e confiança da população. Não foi a busca por uma terapia alternativa, muitas vezes, picareta que só quer tirar dinheiro de pessoas de boa fé. Sendo assim, penso que o “caso USP- fosfoetanolamina” deve ser um grande recado para nós cientistas brasileiros. Os brasileiros confiam em nós e têm expectativas.
Por certo, é evidente que há um completo desconhecimento sobre como buscar a informação cientifica de qualidade pela população brasileira. Certa vez ouvi de um amigo jornalista que a mídia vende sonhos, pois ai está. Enquanto nós cientistas não compartilharmos nosso saber e linguagem da ciência com a população, seguiremos dando margem para os sensacionalismos midiáticos que se valem apenas dessa ignorância para vender esses sonhos. Nós deveríamos estar sonhando e construindo esses sonhos com toda a população.
A população se informa pela grande mídia. Gostemos ou não, temos o DEVER de ir até ela compartilhar nosso conhecimento. É ela que paga a nossa conta, o nosso salário e todos os equipamentos de nossos laboratórios. Digo mais, não deveríamos ficar perdendo dias juntando papéis para prestar contas as agências de fomento a ser avaliadas por nós mesmos quanto sua pertinência. Deveríamos prestar contas para a população brasileira que deixa seu sangrado dinheiro nos cofres da academia. E não é pouco, como muitas colegas gostam de dizer (um estudante de universitário federal pode passar os 15mil reais anuais, só na graduação). Ainda, o argumento de que “se gasta mais com corrupção” é medíocre e um comparativo epistemologicamente estranho.
O Brasil ainda é um país de pessoas pobres e sem acesso aos mesmos caminhos que nós pesquisadores temos. Sedo assim, a população não consegue discernir o que são boas e más pesquisas (saberíamos nós?). O que fazemos com essa constatação? Como os cientistas pretendem resolver esse problema? Seguir estudando o papel da proteína A no modelo B na expressão da proteína Y no rato X ? Ou chegou à hora de abrirmos nossa cabeça e ouvir as reais necessidades da população?
Esse texto é também um manifesto. Um manifesto por uma ciência mais inserida em nosso contexto social e engajada em resolver os problemas de nossa população. Não compreenda essa visão como utilitarismo. Porém, não faz sentido termos a pretensão de sermos “competitivos cientificamente” (outro comparativo epistemologicamente estranho) com países que tem tradição, boa gestão e alto financiamento em pesquisa. Nossos problemas são outros. Temos que olhar para o nosso país e buscar a nossa soberania como nação através de uma ciência que traga benefícios reais para população brasileira. Como pretendemos atingir os níveis internacionais que tanto buscamos se sequer atingimos o nacional?
Links e referências:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fosfoetanolamina
http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/10/fosfoetanolamina-nao-e-remedio-diz-usp-sobre-substancia-controversa.html
http://www5.usp.br/99485/usp-divulga-comunicado-sobre-a-substancia-fosfoetanolamina/
http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/10/presidente-do-tj-sp-volta-atras-e-libera-entrega-da-fosfoetanolamina-substancia-contra-cancer.html
http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/08/pesquisador-acredita-que-substancia-desenvolvida-na-usp-cura-o-cancer.html
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-76122010000300005&script=sci_arttext
Douglas Senna Engelke
Professor, neurocientista, divulgador de ciência e entusiasta de uma ciência popular e participativa
Um Comentário
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