Uma recentíssima publicação na PNAS traz resultados muito interessantes sobre a transmissão intergeracional do medo. Neste estudo (veja o resumo aqui), fêmeas de camundongos foram condicionadas a temer quando eram submetidas à essência de menta. Em laboratório, isto pode ser facilmente conseguido através da apresentação simultânea do odor da essência com algum tipo de estímulo negativo. Depois deste aprendizado associativo, estas fêmeas eram colocadas para procriação e, logo que os filhotes nasciam, as fêmeas eram novamente apresentadas ao odor de menta que causava por sí só uma resposta de medo nela. Os filhotes que estavam na presença da mãe quando esta manifestava o medo acabavam desenvolvendo a mesma resposta à essência de menta, mesmo quando o odor era apresentado a eles na ausência da mãe. Ainda mais curioso é que mesmo os filhotes que não estavam com a fêmea quando esta experimentava o “medo da menta”, acabavam também desenvolvendo a mesma reação se pudessem estar com os irmãos quando estes reagiam negativamente à essência. Os pesquisadores da Rockefeller University também demostraram que este aprendizado não ocorria se as vias nervosas responsáveis pela detecção dos odores era lesionada experimentalmente ou mesmo quando o complexo amigdalóide dos animais era impedido de reagir. Isto faz bastante sentido, uma vez que o sistema olfatório produz estímulos que são recebidos em áreas corticais que estão diretamente relacionadas ao processamento das emoções e da memória, e a amígdala cerebral é bem importante para a formação de memórias emocionais.
A extrapolação destes resultados para a transmissão do medo de pais para filhos na espécie humana ainda não pode ser feita, mas se quiséssemos fazer uma especulação seria muito interessante pensar que somos capazes de marcarmos determinados eventos como traumáticos simplesmente porque os adultos que convivem conosco tem medo deles. Mesmo que pessoalmente não tivéssemos experimentado a dor ou a angústia de uma determinada situação, o fato de termos estado na presença de nossos pais manifestando aquele medo teria sido suficiente para que aprendessemos a temer a mesma coisa.
Eu não estranharia nem um pouco se isso fosse verdade já que, do ponto de vista evolutivo, a transmissão intergeracional das emoções negativas é um legado altamente protetor que podemos receber de nossos pais. Porém, isto também acabaria por significar que adultos que vivem em situações de alto risco (mães que enfrentam violência doméstica, povos que enfrentam guerras e perseguições, entre tantas outras) teriam filhos com grande propensão ao desenvolvimento de transtornos emocionais como pânico, estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, entre outros. E os dados populacionais que temos disponíveis parecem mesmo apontar nesta direção.
Por outro lado, sabemos que a liberação de ocitocina pela mãe durante a amamentação e os cuidados com seus filhos é um importante marcador de conforto e confiança. Provavelmente, é por esta razão que o cheiro das mães acalmam seus filhos. Mas para que isso aconteça, a mãe tem que estar socialmente protegida e amparada. Se queremos uma sociedade saudável, isso tem que vir do berço!
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