O que faz o ciúme?: explicações evolucionistas e neurobiológicas para este fenômeno

logo1Quando assistimos a relatos de ocorrências policiais, nos quais alguém acaba por matar outra pessoa movida pelo ciúme, temos, quase automaticamente, duas reações. Primeiro, aversão incondicional pelo(a) criminoso(a). Segundo, uma tentativa imediata de analisar o contexto social das pessoas envolvidas, na busca por algum elemento sócio-econômico que justifique tal ato. Mas será mesmo que o crime passional é um comportamento moldado pelo ambiente no qual o indivíduo está inserido? Ou há potentes instintos, moldados em nosso passado evolutivo que podem funcionar “excessivamente bem” gerando o ciúme patológico que prenuncia o crime passional?

A Psicologia Evolucionista é um ramo da ciência psicológica que, apesar de ainda muito pouco difundido no Brasil, têm realizado experimentos em países norte-americanos e europeus, que podem explicar muitos comportamentos apresentados pelos humanos, inclusive o ciúme.

Ela toma mão de conceitos da Psicologia Cognitiva, das Neurociências e da Biologia Evolutiva para tentar reconstruir a história de todo tipo de comportamento humano apresentado atualmente, fazendo links com nosso estilo de vida caçador-coletor na Savana Africana. Segundo esta linha de pensamento, nossos comportamentos atuais são a expressão de mecanismos (chamados “módulos”) cerebrais específicos que se desenvolveram neste ambiente ancestral, para possibilitar aos indivíduos solucionar algum problema adaptativo.

Para facilitar a compreensão, imagine uma tomada na qual você tenta exaustivamente encaixar um plug. Agora imagine que você não tenha a mínima noção espacial e vá tentando encaixar todas as formas de plug possíveis, naquela mesma tomada, em busca de um modelo que enfim consiga estabelecer um contato plenamente funcional. Vai chegar um momento em que você achará – por tentativa-e-erro – um plug perfeito para aquela tomada e, a partir de então, não vai querer substituí-lo (porque ele já resolveu o seu problema).

A mesma coisa aconteceu com nossos distantes antepassados! A seleção natural cegamente favoreceu os genes específicos que concediam a um determinado indivíduo uma melhor capacidade de solucionar um problema e, consequentemente, uma maior possibilidade de sobreviver até conseguir transmitir seus genes (entre eles, este especial) para sua prole.

O amor – e suas vicissitudes – não foge a esta regra. Logo, a questão é compreender como e porque, em termos evolucionistas, o ciúme “nasceu”, e por que ele é estimulado e expresso de formas diferentes pelo homem e pela mulher, sendo que a perda – ou ameaça – de um relacionamento é algo indesejado para ambos?

Primeiramente faz-se necessário esclarecer alguns aspectos. A psicologia evolucionista é tão bem aceita porque ela não é uma teoria extremista. Apesar de visivelmente valorizar os caracteres biológicos dos comportamentos, ela foi constituída de tal forma que fica aquém das duas extremidades científicas. Uma delas é a de que o homem nasce uma tábula rasa, totalmente “liso”, pronto para ser construído pelo ambiente social (como uma criança constrói um boneco de argila). A outra é a de que tudo o que é natural, é bom e deve ser recompensado. Ambas as falácias – ambientalista e naturalista, respectivamente – são tolas, afinal, nenhum animal (e isso inclui nós humanos) nasce como uma tábula rasa (para o arrepio de muitos antropólogos fanáticos pela ciência social, biologicamente somos constituídos por uma série de instintos inatos, a serem ativados nossas relações sociais, inclusive o relacionamento social é um instinto em si), mas também não é porque um comportamento foi naturalmente útil, que ele deve ser reverenciado. No passado, o instinto para assassinar possíveis competidores era “top de linha”. Hoje em dia, no contexto em que vivemos, não podemos estimular estas atitudes. Então, o objetivo da Psicologia Evolucionista é demonstrar o porquê dos comportamentos. Com base nesta explicação, a ética e o direito vão decidir aqueles que são socialmente aceitos sem punição, e aqueles que precisam ser punidos.

Para compreender o ciúme é necessário, primeiramente, ter ciência da chamada Teoria de Investimento Parental (TIP), e qual a relação dela com as diferentes formas de amar e enciumar-se, observada entre os sexos. A TIP visa analisar de forma matemática qual o investimento do homem, e da mulher, na criação dos filhos, para que se possa compreender o nível de comprometimento que eles terão, e a motivação para manter o relacionamento.

Biologicamente, o homem tem uma frequência de produção de espermatozóides (suas células reprodutivas) milhares de vezes maior do que a mulher produz óvulos (suas células reprodutivas). Quando a mulher é fecundada, ela fica 9 meses gestando uma criança – período durante o qual sua fertilidade fica suspensa –, enquanto que o homem pode ter relações ininterruptas com um grande número de mulheres. Mas o que isto tem a ver com aquilo?

Quando o Psicólogo Evolucionista David Buss realizou uma pesquisa em 37 culturas para verificar quais características – tanto das mulheres, quanto dos homens – eram mais relevantes na escolha do parceiro, ele encontrou um dado interessante e universal (ou seja, presente na grande maioria dos entrevistados, em todas estas culturas diferentes, que eram uma amostra representativa de toda a população do globo). Os homens preferem as mulheres jovens. Já as mulheres, preferem os homens mais velhos. Estes dados fazem muito sentido quando complementados pelas informações da biologia. Mulheres mais jovens liberam óvulos mais novos, têm um endométrio mais saudável, e consequentemente conseguem engravidar e ter menos risco de aborto natural. Homens mais velhos não apresentam espermatozóides tão piores, em comparação com os mais jovens, e são geralmente mais bem sucedidos economicamente, dispondo de maiores recursos para cuidar da saúde da esposa grávida. Lembre-se de que estamos falando em termos evolucionistas, ou seja, aquilo que hoje entendemos como recurso financeiro – em que a oferta é feita em dinheiro – era, no tempo que vivíamos na savana africana, recursos de moradia e alimentação, que protegia e alimentava a esposa que, com 8 meses de gestação, diferentemente de hoje, mal conseguia andar. Ou seja, nosso critério de seleção de parceria evolui naquele habitat da Savana, e permanece em todos nós até hoje.

Pesquisas internacionais evidenciam que a maioria das mulheres prefere: entre o fato do homem traí-las sexualmente, ou envolver-se emotivamente com outra mulher, que eles a traiam sexualmente. Para as mulheres, o envolvimento afetivo do seu marido com outras mulheres implica que ele estará desviando seus recursos – dinheiro e atenção – para outra pessoa. Isso ativa um alarme biológico que a faz sentir muito mais ciúme do parceiro, do que se soubesse, por exemplo, que o marido costuma visitar bordeis e ter relações com muitas mulheres, mas sem qualquer vínculo afetivo duradouro.

Já o homem, julga a situação de forma diferente! Ele sabe instintivamente que as mulheres mais jovens são mais cobiçadas, e sabe que os outros homens também sabem disso. Sabe também que a relação sexual pode ocorrer muito rapidamente e, em menos de meia hora, se ele não estiver vigilante o suficiente, sua mulher pode engravidar de outro homem e, ele estará então investindo recursos durante os próximos 9 meses em uma gestação cuja criança não é sua. Ou seja, para o homem, o medo maior é o de que sua esposa se relacione sexualmente com outros homens. Mas, como ele já sabe por experiência própria, que é muito fácil uma relação afetiva entre homem e mulher, evoluir para um romance sexual, a menor suspeita demonstrada pela mulher, de relacionamento com um homem, desperta seu alarme biológico do ciúme.

Estudos estatísticos demonstram que a maioria dos crimes gerados por ciúme consiste em homens – geralmente bem mais velhos (de 45 a 54 anos) – agredindo/ assassinando esposas bem mais jovens (de 15 a 24 anos). Homens mais jovens, que têm ciúme das esposas/ namoradas mais jovens, geralmente atacam os suspeitos de serem amantes dela, e não ela propriamente dita.

Mas, fisiologicamente, o que provoca o ciúme?

Por mais incrível que possa parecer, o ciúme é controlado pela mesma estrutura cerebral responsável pela dependência de drogas: o núcleo accumbens. Esta região cerebral faz parte do nosso sistema de recompensa, que nos motiva a buscar e proteger o objeto do nosso desejo. A principal substância que controla este sistema de recompensa é o neurotransmissor Dopamina, relacionado à sensação de prazer (drogas como cocaína causam prazer, porque liberam grandes quantidades de dopamina no núcleo accumbens). Contudo, há uma outra substância, o hormônio chamado ocitocina – produzido em massa, mediante a visão da pessoa amada –, que faz aumentar a produção de dopamina liberada no núcleo accumbens. A hipótese neurobiológica principal para o ciúme é que as pessoas muito ciumentas são muito mais sensíveis à estimulação da ocitocina. Ou seja, ao ver a pessoa amada, ouvir sua voz, ou perceber qualquer estímulo que remeta à lembrança dela, a ocitocina hiperestimula a liberação da dopamina, que hiperestimula o núcleo accumbens, que torna a pessoa fissurada pela amada. Desta forma, qualquer tempo longe da pessoa que ama, vai gerar uma “crise de abstinência amorosa”, tornando a pessoa ciumenta, uma verdadeira dependente química do amor, necessitando estar sempre próximo e monitorando a pessoa amada. Quanto maior a intensidade desta dependência, maior será o grau do ciúme.

Agora que já estão mais claras as bases evolutivas e neurofisiológicas do ciúme, é hora de fazer uma diferenciação importante.

Lucy Vincent, neurocientista interessada na evolução do amor e ciúme, faz uma distinção entre dois tipos de ciúmes: o Construtivo e o Coercivo. O ciúme construtivo é aquele ciúme bom – nosso “Sherlock Holmes” interno – que ajuda a fiscalizar o(a) parceiro(a) para manter e proteger o relacionamento, ou mesmo acabar com algum relacionamento que não seja fiel. O ciúme coercivo, ao contrário do construtivo, e agressivo e muitas vezes infundado, encaixando-se no que – em linguagem evolutiva – conhece-se como mal-adaptação. Ou seja, sabemos que o ciúme é uma característica importante, mas quando há uma alteração no módulo responsável por gerar a sensação de ciúme adequada, estamos diante de um indivíduo doente, com Delírio Paranóide de Ciúmes, que pode se expressar de forma destrutiva, ou seja, aqui estamos tratando de um grande dependente amoroso.

Como podemos constatar, o ciúme é uma estratégia que evoluiu com um propósito importante: manter a fidelidade entre os que se amam. Mas que há casos nos quais o ciúme apresenta-se de forma distorcida e gera comportamentos aberrantes, como a violência conjugal, que pode acarretar na morte de um ou mais dos envolvidos – ainda que a razão para o ciúme de uma das partes ser “fantasiosa”. Também percebemos que este é um comportamento fortemente incutido na natureza humana enquanto espécie e que, independente do ambiente, da classe ou do status social, todos nós humanos estamos programados para senti-lo – seja em maior, ou menor intensidade.

Thales Coutinho, acadêmico do 4º ano do curso de Psicologia e responsável pelo website de divulgação científica: http://www.psye.com.br

REFERÊNCIAS:

  1. BARON-COHEN, Simon. Diferença Essencial. Editora Objetiva: Rio de Janeiro, 2004.
  2. BURNHAM, Terry; PHELAN, Jay; A Culpa é da Genética – do sexo ao dinheiro, das drogas à comida: dominando nossos instintos primitivos. Tradução de Vera Maria Whately. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.
  3. BUSS, David. A Paixão Perigosa. Editora Objetiva: Rio de Janeiro, 2000.
  4. FISHER, Helen E. Anatomia do amor: a história natural da monogamia, do adultério e do divórcio. Rio de Janeiro: Eureka, 1995.
  5. FISHER, Helen. Por que amamos. Editora Record: São Paulo, 2006.
  6. KANAZAWA, Satoshi. MILLER, Alan. Por que os homens jogam & mulheres compram sapatos. Editora Prestígio: Rio de Janeiro, 2007.
  7. VINCENT, Lucy. Por que nos Apaixonamos. Editora Ediouro: Rio de Janeiro, 2005.
  8. WINSTON, Robert. Instinto Humano. Editora Globo: São Paulo, 2006.
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